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Associação de defesa do patrimônio histórico,
arquitetônico,
cultural e paisagístico da cidade de São Paulo
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>> ESTABELECIMENTO TRADICIONAL DE SÃO
PAULO
Restaurante Carlino
Por Gabriel Rostey
Em 1881 surgia na
Avenida São João aquele que até 2002 viria a ser o restaurante mais
antigo de São Paulo: o Carlino Ristorante. Com especialidades da cozinha
toscana, foi batizado com o diminutivo do nome de seu fundador - o italiano
Carlo Cecchini - continuando no mesmo endereço até 1960, quando foi
transferido para a Avenida Vieira de Carvalho nº 141. Sete anos mais
tarde passou para as mãos de Antônio Carlos Marino. Ali permaneceu até
2002, quando não resistiu à decadência do centro e fechou as portas
pondo fim a cento e vinte e um anos de funcionamento ininterrupto daquele
que era, então, o restaurante mais antigo de todo o Brasil.
Felizmente,
foi apenas uma breve pausa de três anos nos quase centro e trinta de
história do Carlino, que foi reaberto por Antônio Carlos Marino em 2005
- novamente no centro - para retomar a tradição de um dos estabelecimentos
que mais ajudam a compor o patrimônio histórico de São Paulo.
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Fotos:
Henrique Guidi
Em 15/05/2009 entregamos o primeiro diploma
de
"Estabelecimento Tradicional de São Paulo"
ao Restaurante Carlino e realizamos esta entrevista com seu chef-proprietário:
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PreservaSP: Em reconhecimento ao fato de ser o restaurante mais antigo
de São Paulo, e por sempre ter contribuído para a resistência do centro,
nós da Associação Preserva São Paulo entregamos ao Restaurante Carlino
este diploma de "Estabelecimento Tradicional Paulistano".
Antônio Carlos Marino: Muito obrigado. Todo esse trabalho que vocês
estão fazendo é fundamental pra nós. E a gente sente no centro, nas
nossas ações locais, que tem que preservar o nosso habitat. O povo tem
que participar mais, zelar mais pelo espaço público, não jogar lixo
na rua. O Carlino tem que ser no centro de São Paulo. O Minhocão acabou
com o centro. Grandes lojas e profissionais liberais saíram daqui, o
centro foi ficando degradado. Nós, comerciantes e moradores estamos
fazendo nosso trabalho: pagamos o piso novo na calçada, plantamos árvores,
estamos fazendo alguma coisa. Estamos preservando o nosso negócio também,
além da rua. Eu fico chateado, porque nós moramos no centro, em frente
ao restaurante, na Vieira de Carvalho. Até 1960 ficou no Largo do Paissandu,
depois foi para a Vieira de Carvalho onde ficou até 2002.
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PreservaSP: E ainda existe a construção do Largo do Paissandu?
Antônio
Carlos Marino: Não, era onde agora estão as Grandes Galerias. A São
João era o point do povo: a gente ia ao cinema na São João, ia paquerar
na São João, lojas grandes na São João. Tudo era ali. Por que foram
destruir a São João? Cartão postal nosso não é a Avenida Paulista, essa
chegou agora; cartão postal nosso é a Avenida São João. Ali tinha greve,
tinha comemorações, tinha o carnaval, tinha tudo. Tudo era ali: cinemas,
paquera, footing. Em qualquer lugar do mundo que você vai os cartões
postais são preservados, valorizados. Você olha a Torre Eiffel iluminada,
que espetáculo! Quer cartão postal, maior que esse, que faz com que
todo mundo que vai a Paris passe por lá?
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PreservaSP: Sendo
que neste caso é até o contrário: ela foi feita pra ser destruída e
a mantiveram; aqui as coisas são feitas para serem definitivas e depois
as destroem.
Antônio Carlos Marino: É, é verdade, ela foi feita pra ser desmontada.
Eu já estive lá e é muito gostoso. E a gente vê como é viver aqui, né...
uma cidade que sempre transformou as pessoas. E só batem nela, batem
nela, mas ela não cai. Tanta coisa que fazem aqui em São Paulo, a gente
fica tão chateado. A gente nasce aqui, vive aqui, é triste ver tudo
indo embora como num dilúvio. Da Paulista eu lembro dos casarões dos
barões do café, a Avenida Angélica era a mesma coisa... vão degradando,
vão tirando, vão colocando coisa em cima, fazem shopping, derrubam tudo.
E nós ficamos sem história. Precisa ter gente como vocês que beliscam
essa gente.
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PreservaSP: E
como você vê a ida de restaurantes tradicionais do centro para outros
bairros como o Itaim?
Antônio Carlos Marino: Ah, infelizmente a tendência é essa, viu. Quem
faz com que a gente vá embora são os próprios clientes. Me perguntam
"Por que você voltou aqui pra esse lugar?". Eu digo "Porque eu gosto
do centro", mas respondem "Ah, mas lá está melhor, não dá pra gente
vir à noite aqui". E com isso, em breve deixaremos de abrir pro jantar
aos sábados. Na Vieira de Carvalho, por exemplo, é tanto ambulante,
churrasquinho de gato soltando fumaça, etc., que vai afastando os bons
clientes. A Dulca também, uma das pioneiras do ramo de doces em São
Paulo, foi obrigada a fazer uma praça de alimentação ali. Com isso vem
a marginalidade.
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PreservaSP: E
nos últimos anos, o centro vem melhorando, piorando, ou está na mesma?
Antônio Carlos Marino: Não melhorou em nada não. Fizeram uma reforma
na Praça da República que não adiantou nada. O que nós precisamos é
de segurança, é guarda em cada esquina. As pessoas comentam sobre espancamentos
na Praça da República, inclusive com gays. O que a gente vem fazer "na
cidade", ops, no centro? O que vem fazer aqui? Não tem cinema, quase
não tem boas lojas, não dá pra ficar sossegado na rua. Por isso todo
mundo agora vai pra shoppings: para o carro lá dentro, tem tudo, não
toma chuva, não toma sol. Acabou aquela sensação gostosa de ir ao centro.
Acho que vai ser difícil recuperá-lo, a não ser que tenha um incentivo
muito grande. E precisa de moradia, apartamentos para famílias. A cidade
inteira converge pra cá, isso deve ser aproveitado. Tem projetos grandes
pra estacionamento subterrâneo que não saem nunca do papel.
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PreservaSP: Então é basicamente uma questão de segurança e de aumentar
a moradia no centro?
Antônio Carlos Marino: Sim. Assim vai haver comércios e serviços pra
esse público, mais gente circulando na rua, é uma coisa óbvia. Fazer
só "estúdios" para solteiros não adianta. Precisa de família, criança
aqui. Ali no Copan, onde atualmente está o prédio do Bradesco, era pra
ser a parte de lazer e playground do Copan. Ia ser o melhor prédio residencial
de São Paulo, ainda mais que lá tem o que você quiser: apartamentos
enormes, estúdios. É muito bom. Infelizmente o dinheiro falou mais alto,
né?
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PreservaSP: E você chegou a cogitar reabrir o Carlino em outro bairro?
Antônio Carlos Marino: Ah, cogitei sim. Era para ter aberto em outro
lugar. Mas sabe, o centro falou mais alto. Só que é difícil ficar aqui,
vou falar a verdade. Agora estamos esperando outra coisa que pode ajudar
a região, que é a instalação do Tribunal de Justiça aqui no antigo Hotel
Hilton, mas ficam só adiando, adiando. Isso vai ajudar muito aqui: em
segurança, os policiais terão que ficar de plantão, mais gente almoçando.
Acho que será a grande salvação da região. Mas as coisas não podem ser
só até às seis da tarde, precisam ficar até mais tarde. Todo mundo já
ouviu falar da Broadway em Nova York, e aqui nós temos uma Broadway
que é esquecida. Temos o Cine Marrocos, o Art-Palacio, o Paissandu -
o Metro eu nem conto porque ainda está com igreja - as grandes lojas
que ficavam na rua viraram estacionamentos, ou seja, poderiam abrir
à noite. Por que não transformar em boas casas de espetáculos, fazerem
uma Broadway aqui? Isso certamente vai trazer gente que gasta, gente
que vai exigir bons restaurantes, cafés... e isso representa mais empregos,
mais impostos. E tudo isso está aqui, morto. Eu falei isso para a Marta
Suplicy na outra eleição. Ela e o ex-marido Suplicy freqüentavam muito
o Carlino. Quanta coisa tem aqui e é abandonada, podia ser reciclada...
precisa agitar São Paulo! Não tem a Virada Cultural? É isso que tem
que se fazer em São Paulo: de madrugada tinha um mundaréu de gente,
parecia duas da tarde! Sair pra rua pra assistir um show, um espetáculo
sossegado... precisa ter mais teatros no centro.
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PreservaSP: Recentemente foi divulgado que a Prefeitura tem um plano
exatamente pra reutilizar o Marrocos, o Dom José, e o Art-Palacio, além
de que o Marabá vai ser reaberto pela iniciativa privada.
Antônio Carlos Marino: E tem o Ipiranga. Ao lado tem o Hotel Excelsior,
bem famoso à época. E tinha um porteiro, um senhor de uns dois metros
e meio de altura, com uma capa enorme que ia até o chão. Eu vinha para
o centro todo sábado, ia ao cinema, e via os carrões parando lá - Buick,
Cadillac - e ele se abaixava de tal forma para abrir as portas para
as madames, numa elegância. Grandes eventos do cinema... era assim a
cidade! Deus do céu, e agora a gente passa por aí e não vê mais nada,
passa com medo. Tinha um bar na São João com a Angélica, com os garçons
fazendo ponto... acabou, virou bingo. As coisas têm que ser preservadas.
Sabe, parece que a gente não gosta de história. Como é que a gente vai
contar pra alguém "aqui era...", "aqui foi..."? Sabe o que eu falei
pra uma jornalista que uma vez veio fazer uma matéria comigo? Eu disse
"vocês vêm procurar a gente nessa época do aniversário da cidade, 25
de janeiro, por sermos o restaurante mais antigo da cidade, mas eu nunca
li uma reportagem dizendo como é que nós não fechamos, como é que nós
ainda aguentamos até agora ficar em pé". Nos Jardins você pode ver que
abrem tantos e fecham tantos; por aqui são sempre os mesmos: Gigetto,
que foi fundado por dois garçons do Carlino; Castelões; a Capuano, o
Ângelo que também está há 70 anos. É brincadeira? Todo mundo quebra,
fecha, foge.
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PreservaSP: E como vocês não fecharam?
Antônio Carlos Marino: Porque estamos aqui diariamente. Agora há pouco
você viu minha filha, minha mulher e meu filho. Se eu não os trago junto
comigo, eu não os vejo. Nós almoçamos juntos, brigamos juntos e fazemos
as pazes juntos, tudo numa mesa. Discutimos os nossos assuntos, é importante
isso. Família é o berço de tudo, e trago eles aqui pra terem uma vivência,
aprenderem a gostar; e se não gostarem, ao menos têm um negócio. Mas
parece que eles gostam, os dois até estão estudando gastronomia. A gente
aqui atende o cliente, faz as pastas... não é fácil não. Mas é gostoso.
Pena que aqui a gente não esteja ganhando muito, mas há perspectiva
de melhorar, por isso a gente ta insistindo em ficar por aqui. Vou te
contar um negócio, sincera e honestamente: eu teria ido embora. Não
dá, é muita degradação. Os clientes pedem pra gente sair, dizem que
não vão mais freqüentar à noite, é chato ouvir isso.
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PreservaSP: É por isso que nós do PreservaSP vemos vocês como heróis.
Por causa de pessoas como você é que o centro continua tendo alguma
resistência, oferecendo a possibilidade de a pessoa visitá-lo para fazer
alguma coisa.
Antônio Carlos Marino: É, não é fácil, mas estamos levando. E gente
como vocês, que preservam e lutam, nos fazem bem. Como o pessoal da
Escola da Cidade, aqui perto. Vão construir um centro de estudos da
arquitetura, fantástico!
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PreservaSP: A demolição do Minhocão é uma coisa que mudaria muito
as coisas?
Antônio Carlos Marino:
Me alegrou muito quando vi no jornal que o Serra entrou e pensou em
demolir o Minhocão. Seria ótimo. Nesses anos todos, o prejuízo que ele
deu até agora para as pessoas que tinham negócio e que moravam lá, é
incalculável. Ninguém mora ali, só consta pelo condomínio. Garagens
embaixo que não valem nada. A Casa do Estudante, degradada. Eu não me
conformo como é que foram deixar aquilo. A Amaral Gurgel, uma rua tão
larga, com aquela porcaria em cima dela. E dizem "Se não fizessem o
Minhocão, seria pior!", não sei o porquê: todo o fluxo indo lá pra Água
Branca é despejado na Francisco Matarazzo, mas ali não acontece nada,
né, fica tudo a mesma coisa, a cidade inteira é assim. Mas pararam de
falar no assunto da demolição, voltou tudo à estaca zero. Os políticos
não pensam no povo. Mas o Maluf se elege, né... ele foi ao Carlino,
fechou o Carlino em 1995 quando era prefeito. Aplicou um montão de multas,
e não teve nenhuma que vingou, todas foram derrubadas. Depois de muito
tempo que eu vim a saber que ele pensou que o Carlino é que tinha feito
uma carreata até a Câmara dos Vereadores. Foi a última vez que ele fez
aquela palhaçada de chegar e fechar o restaurante. Nos prejudicou muito,
muito. Os clientes que estavam lá nem sabiam do que se tratava, só viram
multas, multas. E aquilo não valeu nada, foi inconstitucional. Custou
caro.
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PreservaSP: Como
você entrou na história do Carlino?
Antônio Carlos
Marino: Eu sou o terceiro dono do Carlino. Ele ficou até 1949 nas mãos
da Família Carlino. Depois, foi vendido pro Marcello, um lucchese, e
ele passou pra mim em 1967. Coincidentemente a gente tem família na
Toscana. São três donos até agora no Carlino: o Carlino, o Marcello
e eu. Uma bela média, né? Meu primeiro restaurante foi o Corso - nome
inspirado num vinho argentino - ficava na Rua Senador Feijó, 191. Era
o único restaurante que ficava aberto no 11 de agosto (Nota do
Editor: 11 de agosto é o "Dia da Pendura", em que há a tradição dos
estudantes de Direito irem a restaurantes e não pagarem a conta),
e lotava muito por isso. Mas é muito bom, conheci tanta gente... na
Vieira de Carvalho iam tantos políticos, tantos jogadores: Leônidas
da Silva comia lá; o ex-ministro Magri; Zélia Cardoso de Melo; Luis
Gonzaga Belluzzo; Ibrahim Eris; Salvattore Cacciola...
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Carlino Ristorante
Rua Epitácio Pessoa, 85 - República
Telefone: (11)3331-3535
http://www.carlino.com.br
Horário de Funcionamento:
Segunda a domingo - 12:00 às 16:00
Sexta-feira - 19:00 às 24:00
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Associação Preserva São Paulo
Av. Brigadeiro Faria Lima, 1572 cj. 1201 - Pinheiros (Metrô Faria Lima)
CEP:01451-001 - São Paulo - SP - Tel: 55 (0xx11) 3105-3053
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